Omissão de Socorro: quando é crime?

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Omissão de socorro - Homem triste com atropelamento

Omissão de socorro: quando ocorre crime?

O artigo 135 do Código Penal determina que configura o crime de omissão de socorro deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.

A lei penal não tem por intuito, contudo, que o indivíduo coloque a própria segurança (ou a segurança de outra pessoa) em risco para proteger aquele que necessita de socorro. Em tal ocorrendo, não há que se falar em crime.

Todavia, caso a pessoa possa, de fato, socorrer ou pedir que a autoridade pública socorra a vítima e não o faz, estamos diante da hipótese de configuração de omissão de socorro, considerada como crime.

Além disso, cumpre ressaltar que deixar de prestar socorro a quem pode vir a estar em risco não é crime, eis que, para que haja a configuração de omissão de socorro, é preciso que o perigo seja não só grave, mas iminente.

Há divergências quanto ao exato significado do termo iminente, sendo que, para alguns, iminente é aquilo que está ocorrendo. Para outros, no entanto, se trata daquilo que está prestes a ocorrer, mas cuja ocorrência, entretanto, ainda não se faz absolutamente certa.

A finalidade da lei penal, ao tipificar o crime de omissão de socorro, é proteger a vida e a saúde dos indivíduos.

Ao contrário do que parte da doutrina entende, não se protege, neste caso, a solidariedade humana; apenas se exige do cidadão a solidariedade, com o fito de proteger a vida e a integridade física de outrem.

Portanto, nessa toada, qualquer pessoa, mesmo não se tratando de profissional da área da saúde, que esteja no local e tenha condições de auxiliar a outrem que se encontra em perigo iminente de vida, tem o dever legal de prestar socorro. E, em se verificando que a situação pode colocar, de fato, em risco a integridade física da pessoa que irá socorrer a outra, deve-se, nos moldes estabelecidos na norma penal, solicitar ajuda às autoridades competentes.

Qual a pena aplicada ao crime de omissão de socorro?

A pena prevista no artigo 135 do Código Penal para o crime de omissão de socorro é de detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Ademais, de acordo com o parágrafo único do referido artigo, a pena é aumentada de metade se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

Sujeitos do crime de omissão de socorro

O sujeito ativo (aquele que pratica o crime em questão) pode ser qualquer pessoa. Nesse sentido, a lei impõe a todos o dever genérico de prestar assistência, sem exigir qualquer condição especial ou técnica.

Já o sujeito passivo, a vítima do crime de omissão de socorro, pode ser:

– a criança abandonada ou extraviada, sendo que abandonada é aquela criança que foi deixada por familiares em qualquer lugar no qual não possua condições de sobreviver. Extraviada é aquela criança que se perdeu de seus familiares.

– a pessoa inválida deixada ao desamparo. Considera-se como inválida a pessoa que não tem condições de sobrevivência nas condições em que se encontra. Trata-se de pessoa indefesa, que se encontra sem proteção ou qualquer assistência.

– a pessoa ferida, ao desamparo, sendo ferida a pessoa que sofreu algum tipo de lesão e, por tal razão, se encontrando sem condições de defesa.

– qualquer pessoa em grave e iminente perigo. Nesse ponto, qualquer pessoa,  independentemente de sua condição, pode ser sujeito passivo do tipo penal, desde que se encontre em perigo grave e iminente.

Qual a conduta penalizada na omissão de socorro?

A conduta que se pretende punir é a de deixar de prestar assistência, abster-se de socorrer.

Assim como ocorre com qualquer crime do tipo omissivo, a abstenção só será típica e punível se o sujeito tinha possibilidade de agir. Caso o indivíduo não possua condições de socorrer, inexiste a conduta típica.

A outra conduta descrita pela lei penal, nesta hipótese, é a de não pedir socorro da autoridade pública competente, o chamado “socorro indireto”.

No socorro indireto, o indivíduo, ao invés de prestar pessoalmente o socorro, chama a autoridade pública competente (corpo de bombeiros, ambulância, polícia, salva-vidas, etc), para que esta preste o devido socorro à vítima.

O entendimento predominante na doutrina vai na linha de que somente é válido, ao agente, lançar mão do socorro indireto quando for impossível socorrer diretamente.

No entanto, quando o indivíduo opta por prestar o socorro indireto por entender que este é o melhor meio de garantir a integridade física da pessoa em perigo, tal como ocorre em hipóteses de acidentes com lesões graves nas vítimas, não há que se falar em crime, pois se agiu unicamente para melhor preservar o bem jurídico tutelado, que é a vida.

Outrossim, nos casos de acidente, em que a vítima teve morte instantânea, mesmo que o agente não tenha consciência de tal fato, não há que se falar em crime de omissão de socorro.

Isso porque, tendo em conta que a omissão de socorro é crime de perigo, inexiste o delito se não houver bem jurídico a ser tutelado, no caso, a vida da vítima que já havia falecido.

Tipo subjetivo: a intenção do agente é necessária para a configuração do crime?

No crime de omissão de socorro há o dolo presente, ou seja, a vontade livre do agente de abster-se de socorrer, mesmo tendo consciência da situação de perigo em que se encontra a vítima.

Neste caso, é irrelevante a motivação do agente, se egoística ou não, para a sua configuração.

Consumação e tentativa do crime de omissão de socorro

O crime de omissão de socorro se consuma com a mera abstenção, ou seja, no momento em que o indivíduo poderia ter agido e optou por omitir o socorro. Resta, assim, consumado o crime.

Ademais, é impossível a tentativa neste crime, por se tratar de crime omissivo próprio.

Conduta omissiva do profissional de saúde

Como já mencionado, o crime de omissão de socorro é omissivo, podendo ser classificado em omissivo próprio e impróprio. Trata-se de tipo penal que ocorre com frequência na área de saúde, até mesmo porque o bem tutelado é a vida.

Na área da saúde, a omissão própria acontece quando o profissional não realiza o procedimento que deveria ter adotado em determinado momento do atendimento. Não está, propriamente, relacionado com o possível resultado de morte ou lesão decorrente da omissão, mas, sim, pelo fato de não realizar o atendimento necessário à vítima.

Já na modalidade de omissão imprópria, existe uma relação de causa entre a omissão e o resultado a que se submete a vítima, na medida em que o profissional da saúde deve realizar o atendimento necessário para evitar a ocorrência de algum resultado que coloque em risco a vida do paciente. De forma que, caso a omissão de socorro resultar em lesão ou morte do paciente, o profissional da saúde responderá penalmente por tal resultado.

Além disso, cumpre frisar que o legislador previu no artigo 135-A, do Código Penal, hipótese que configura omissão de socorro em unidades de saúde, ao caracterizar como sendo crime exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial. Teve a intenção, portanto, de impedir a ocorrência de omissão de socorro nas unidades de atendimento médico.

Nesta hipótese, a pena prevista na lei penal é a de detenção de três meses a um ano e multa, sendo que poderá ser aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resultar lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resultar em morte.

O que fazer quando um paciente sofre omissão de socorro?

Se a assistência médica necessária for negada pelo médico ou pela instituição de saúde, deve-se procurar a polícia local para a devida denúncia do crime de omissão de socorro. Ademais, deve-se contar com a assistência de um advogado especializado em Direito Médico para ingressar com ação judicial adequada para reparar o dano sofrido, bem como em advogado especialista na área criminal para acompanhamento do inquérito e posterior ação penal.

Os indivíduos possuem garantia do direito à saúde na forma da lei, de modo que, aqueles que sofreram o crime de omissão de socorro, podem pleitear no Poder Judiciário a devida reparação dos danos, além de buscar a punição dos responsáveis pelo ato praticado na esfera criminal.

Lembre-se de que os profissionais de saúde possuem a responsabilidade de zelar pela vida e saúde dos pacientes, incluindo-se a obrigação de atender de forma adequada aqueles que buscam o atendimento médico em uma unidade de saúde.

Como deve proceder o profissional de saúde acusado de omissão de socorro?

Trata-se de situação deveras delicada e, em muitos casos, tem-se os profissionais de saúde até mesmo acusados indevidamente. E, portanto, em ocasiões em que não haja provas efetivas ou em que o paciente age de má-fé, o profissional da área da saúde deve buscar socorro na esfera judicial.

Vale frisar que eventual divulgação injusta de omissão de socorro pode atingir grande proporção e atingir, de forma direta e prejudicial, a imagem e reputação profissional do acusado, com efeitos de difícil reversão.

Assim sendo, deve-se buscar, neste caso, a devida indenização e reparação dos danos suportados nesta situação.

Algumas condutas são amplamente difundidas e recomendadas, no intuito de evitar a alegação de omissão de socorro, tal como evitar a publicação de fotos e a exposição de fatos e dados que demonstrem o local de atuação do profissional, bem como do histórico dos pacientes.

Ademais, é salutar buscar apoio de profissional da área jurídica com brevidade, buscando orientação técnica e a tomada de providências para a defesa, a depender do caso.

Omissão de socorro nos delitos de trânsito

Nos termos do artigo 304 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), corresponde a crime deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública.

A pena prevista da referida lei para o crime é a de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave.

Na forma do parágrafo único do mencionado artigo, incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves.

De modo que a omissão de socorro cometida no trânsito pelo motorista de veículo do qual resultou o acidente, em geral sem culpa, é penalizada ainda que a omissão seja suprida por terceiros que venham a prestar o devido socorro. O mesmo ocorre caso a vítima tenha morte instantânea ou possua ferimentos leves.

A possibilidade de configuração do crime em questão, nos casos de morte instantânea, é considerada por muitos doutrinadores da área penal como crime impossível, padecendo de vício de inconstitucionalidade.

Por outra banda, os defensores do texto legal justificam sua pertinência no fato de que no presente tipo penal não é somente a vida ou a saúde da vítima que se tutela, mas, sim, o respeito aos mortos.

Logo, nesta linha, se alguém se envolve diretamente em acidente com vítima fatal, recebe da lei o dever jurídico de prestar assistência, no sentido de evitar que o cadáver seja tratado como coisa destituída de qualquer valor ou significado ético-jurídico.

Trata-se de conduta similar àquela trazida pelos artigos 209 a 212 do Código Penal, que tratam dos crimes contra o respeito aos mortos. Outras disposições nesse sentido constam da Lei de Transplantes, por exemplo.

Outro argumento utilizado para refutar a tese do crime impossível, nos casos de morte instantânea, reside exatamente na autonomia conferida ao legislador, o qual está autorizado, nos limites delineados pela Constituição Federal, a instituir novas regras no âmbito punitivo, tal como ocorre com os crimes de trânsito.

Nessa linha, vale mencionar o que determina o artigo 291, do Código de Trânsito Brasileiro, no sentido de que aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se não se dispuser de modo diverso.

A omissão de socorro no Estatuto do idoso.

A Lei n.° 10.741, de 1° de outubro de 2003, conhecida como o Estatuto do idoso, trouxe o seguinte tipo penal em seu artigo 97: deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública.

A referida norma trouxe como pena para esta conduta a detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.

Além disso, o parágrafo único do referido artigo 97, fixa que a pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte do idoso.

Além das hipóteses de aumento e de cumulação das penas, o novo tipo penal trazido, que inclusive prevalece diante do artigo 135 do Código Penal, dele se distingue exatamente por se aplicar apenas quando o sujeito passivo se tratar de indivíduo idoso.

Vale lembrar que corresponde a idoso para fins legais a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, na forma do artigo 1° do mencionado Estatuto.

Ademais, este tipo penal dispensa o requisito da gravidade do perigo. Tem-se claro no texto legal, por se tratar de texto expresso, que o delito igualmente se aperfeiçoa através da conduta de quem, sem justa causa, recusa, retarda ou dificulta sua assistência à saúde.

Outrossim, no artigo 100, inciso III, do Estatuto do Idoso resta configurada ainda como crime a conduta consistente em recusar, retardar ou dificultar atendimento ou deixar de prestar assistência à saúde, sem justa causa, à pessoa idosa.

Para tal crime, se prevê a aplicação de crime punível com reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.

Desta feita, além da pena diversa, este tipo penal alternativo correspondente à conduta de deixar de prestar assistência se refere apenas à saúde de pessoa idosa, que se busca tutelar.

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